domingo, 24 de abril de 2011

APRENDIZES DA ARTE DE DIALOGAR

Seg, 22 de Novembro de 2010 10:30 Jonathan Menezes
Não há mais dúvidas de que a internet (web) tem se tornado um campo cada vez mais amplo para debates, troca de idéias – e, no meio delas, algumas “farpas” são lançadas – o que nem sempre implica na existência do diálogo. Isto, pois, o diálogo é um lugar, por excelência, para alteridade – a qualidade do que é “outro”, o pensamento alheio, a celebração das diferenças. E quando a existência de diferenças é tratada como “o inimigo”, o que temos não é diálogo, debate entre idéias, lugar de alteridade (com alguma dose de identidade), mas campo de “tiro ao alvo”. E esse alvo facilmente deixa de ser o que outrem pensa, passando a ser esse próprio outrem.
As redes sociais hoje, lugar de exposição pública da vida (ou de parte dela, a que desejamos expor e a que almejamos que os outros “cultivem”) e das idéias, como o Twitter, são exemplo disso, isto é, da exposição de muitas idéias, que são tratadas ora com “afagos”, ora com “farpas”, e bem pouco como diálogo – que, por sua vez, envolve crítica, debate, mas com respeito ao outro em sua singularidade e direito de expor o que pensa.
Nesse ambiente, há aqueles que se expõem publicamente, e não temem o debate, isto é, não esmorecem diante da tarefa de ter que defender publicamente as idéias que apresenta. Há também aqueles que se expõem, mas não gostam da crítica, seja ela plausível e bem fundamentada ou implausível e mal fundamentada, pois preferem apenas provar o gosto cremoso dos afagos. Para que esses existam, é preciso que haja outro grupo, o dos aduladores, que adoram (literalmente) ficar “navegando” nas idéias e sabedoria do outro e passando a mão na cabeça deles, como se fossem “gatinhos caprichosos e infantis”, até que ronronem de prazer. Os dois últimos grupos se completam. Entre eles, estão também os críticos pusilânimes, que se comprazem do lugar morno, pueril e confortável do anonimato, e preferem não se expor a fim de não “ferir a sua imagem”, embora adorem jogar farpas naqueles que não têm medo de se expor. Além desses, há também o grupo (menor) dos críticos equilibrados, que entendem que é preciso saber não só fundamentar como balancear a sua crítica; “endurecer, mas sem perder a ternura”, como diria Che Guevara.
É óbvio, essas são categorizações limitadoras, mas, ainda assim, não menos assertivas. Defender argumentos e desejar não receber reações contrárias é o mesmo que sair na chuva e não se molhar, impossível! Se eu parasse para lamentar se a “teologia pública” vale pena ou não à medida que as críticas aparecem, concluiria (muito humanamente) que nada vale a pena. Bom mesmo é só receber elogios e afagos – e qualquer um, que conhece suficientemente seu lado narcísico, não hesitaria em admiti-lo. Ao mesmo tempo, isso não significa aceitar qualquer tipo de ataque, sobretudo, aqueles que ferem o pessoal e esquecem-se das idéias. Enfim, minha motivação em escrever a respeito disso vem de uma reflexão feita em parceria com colegas e alunos há algum tempo, e tem a ver com as últimas querelas e quizumbas – não posso chamar de “debates” – que tenho presenciado na web.
O que é preciso haver, então, para que o diálogo exista, e não outra coisa? Arrisco-me aqui a ser pragmático e idealista (se é que é possível a convivência entre os dois), beirando o reducionismo, com essas sete pistas ou idéias soltas que ofereço abaixo. Segundo o que entendo, para haver diálogo é preciso:
(1) Aprender a separar o campo pessoal do campo das idéias. Por mais quimérico que isso pareça, especialmente se considerarmos a realidade, é essencial e deve ser perseguido, ainda que como ideal.
(2) Respeitar o direito alheio de dizer o que pensa, seja lá o que for esse pensar. Nesse sentido, vale outra vez lembrar Voltaire, em seu Tratado sobre a Tolerância: “As tuas idéias me são odiosas, mas eu morreria pelo direito que você tem de dizê-las”.
(3) Resguardar a crítica à matéria do debate, e privilegiar argumentos que não redundem mais em confusão do que esclarecimento. Isso significa: ser honesto intelectualmente e criticar as idéias do outro levando em consideração o lugar a partir do qual elas foram produzidas (por mais distante que ele esteja de nós), e não outra instância qualquer, inventada por quem critica só para poder “ter argumento”.
(4) Aceitar que o outro pode permanecer convicto de seus ideais, a despeito dos meus argumentos e posições. O diálogo existe pelo diálogo e não para que o outro se converta à minha “religião”. Melhor palavra, nesse outro caso, seria proselitismo. Fui chamado a esse mundo pra ser testemunha de Cristo e não para fazer prosélitos.
(5) Ouvir atentamente, ler com cuidado e interpretar com esmero e discernimento, para não colocar na fala do outro aquilo que ele não disse. Se já fizemos (e continuamos fazendo) isso com Deus e com a Bíblia, que dirá com o próximo?
(6) Estar aberto e disponível ao relacionamento, independente da discordância no campo das idéias. Difícil, você pode estar pensando. E é verdade. Só que Jesus não apenas foi um modelo nesse quesito, como foi mais radical, quando disse que devemos amar aos nossos inimigos e quem nos persegue – que dirá aqueles de quem apenas discordamos, não?
(7) Entender que temos a tendência de tratar o diferente como ameaça; nós somos aqueles criam barreiras e reforçam as existentes. Não posso (falo agora por mim) estar apto ao diálogo sem antes admitir minhas inaptidões naturais para ele.
O verdadeiro diálogo é uma conversa que se dá entre aprendizes audazes, porém, humildes o suficiente para se admitir como tais. Isso significa que a conversa pode terminar, mas o assunto nunca se esgota ali. No diálogo, não há lugar para donos da verdade, e Senhores do absoluto. Somente com o Senhor estão a Verdade e o Absoluto. Sobre isso, Rob Bell[1] disse o seguinte: “Nossas palavras não são absolutas. Apenas Deus é absoluto, e Deus não tem a intenção de partilhar seu absolutismo com ninguém, especialmente palavras que as pessoas usam para falar sobre Ele. E isso é uma das coisas com a qual pessoas têm se debatido desde o princípio: Deus é maior que nossas palavras, cérebros, cosmovisões e nossas imaginações”.
Diálogo é lugar para quem, como Paulo, admite que “em parte conhecemos, e em parte profetizamos”. Seres parciais, isso é o que somos, em todos os sentidos, rumando para aquilo que é Perfeito, Absoluto, quando conheceremos como também somos conhecidos. Até lá, precisamos (e muito) de Deus – quem dera se toda ciência admitisse isso. E precisar de Deus implica em não prescindir do outro. Não há vida sem relacionamento; não há diálogo sem a presença do outro. Termino com a frase de meu amigo Antonio Carlos Barro[2]: “Publicar seu pensamento é convidar o pensamento do outro”. Vamos nessa? Rumemos para “novos diálogos”!


A DIFÍCIL TAREFA DE PERDOAR: TRANSFORMANDO NOSSOS PLANOS DE PUNIÇÃO EM PROGRAMAS DE PERDÃO

Ter, 09 de Novembro de 2010 08:33 Jonathan Menezes
(Baseado em Jonas 4)
Após relativo tempo na caminhada de fé, passamos a lidar com certos assuntos como se fôssemos peritos. O perdão é um deles.
Parece simples: Deus diz que a gente tem que procurar o irmão pra se reconciliar, antes de dar uma oferta (Mt 5.23-24); que devemos perdoar até 70 vezes 7 (18.22); e que nós ainda devemos orar: “Perdoa as nossas dívidas, assim como nós perdoamos aos nossos devedores”. Então, nos damos conta de que Deus, no curso da história, tem um projeto de reconciliação, e nos inclui nele. Assim, de novo, não tem muito que discutir: vamos executar o projeto!

Mas não é tão simples assim. Quando esbarramos em dificuldades (internas e externas) à execução desse projeto, percebemos que perdoar é uma atividade complexa, uma tarefa difícil.
Olhemos, por exemplo, para a conturbada história do “Rei do Pop” Michael Jackson e sua família (especialmente seu pai). É a história de alguém que alega ter sido ferido na infância, que carregou as marcas disso na vida, nunca conseguiu perdoar e terminou sua existência botando em prática um “plano de punição”, a exemplo do que ele fez em seu testamento, deixando pai e irmãos “de fora”.
Essa história me fez pensar sobre como lidamos com as ofensas que recebemos e fazemos. Como lidar com um amigo que nos trai? Como tratar um pai, que abusou de você na infância? De que maneira agir com um irmão que me deve?
A resposta prática de Deus na Bíblia se chama perdão. Mas quando estamos machucados (ou quando machucamos), o perdão não soa um negócio assim tão romântico. Queremos (e o outro também quer) punição, justiça (humana).
Assim, a pergunta que quero fazer aqui é: como transformar nossos planos de punição em um programa de perdão? Ao olhar para a história de Jonas, talvez o processo possa ser do reconhecimento de certas coisas até a ação.
1. Precisamos reconhecer quem Deus é nessa história
Desde o princípio, Deus teve de lidar tanto com a potência para o pecado como com o pecado efetivo no ser humano. Em resposta, ele se irou, se arrependeu de ter criado, permitiu que as consequências da ofensa viessem contra as próprias pessoas, porque ensinou que pecado tem consequências. Mas, Ele é amor. Então escolheu a via do perdão e da reconciliação, por pura Graça.
Miroslav Volf oferece uma interessante conceituação de perdão: “É oferecer aos ofensores a dádiva de não condená-los pelo seu erro”1.  Ou seja, o perdão é uma dádiva!
E Jonas (4.2) conhecia muito bem o caráter de Deus no que diz respeito ao perdão: “És Deus misericordioso e compassivo, muito paciente, cheio de amor e que prometes castigar, mas depois te arrependes”.
A mais direta implicação desse reconhecimento é ser recrutado para o “programa de perdão” de Deus, que era o que Jonas deveria ter feito. Mas (1º) ele fugiu, e (2º) ele murmurou perante o resultado de ter pregado para Nínive: “Eu sabia Deus que você é pronto, como na queda de um chapéu, a transformar seus planos de punição em um programa de perdão” (Eugene Peterson, The Message). Esse comportamento de Jonas, me leva ao segundo reconhecimento...
2. Precisamos reconhecer quem nós somos nessa história
Como Jonas, somos versados nesse negócio de perdão e até bem conscientizados a respeito. Porém, teimosia, rancor, mágoa, hipocrisia, falsidade, personalidade nos conduzem à fuga muitas vezes.
Társis era uma colônia fenícia no sul da Espanha, e pode ser vista como uma representação desses “lugares de fuga”.
Vamos para Társis, quando não queremos lidar com uma situação de desconforto...
Vamos para Társis, para não sermos confrontados por algo que fizemos...
Vamos para Társis, todas as vezes que queremos evitar alguém (pessoa indesejada)...
Társis é lugar de refúgio, contra si mesmo, contra Deus, contra os outros. Para mim, Társis é a representação de um lugar onde eu possa me ver “livre de cargas”, de deveres. Em Jonas, esse dever era pregar arrependimento (condenação) pelo pecado, sabendo que Deus poderia mudar o curso da história.
Nós também queremos nos ver livre de cargas. Mas quando é outra pessoa que está em débito conosco, queremos que ele/a pague com juros. Vivemos a contradição de Jonas: recebe o perdão divino, mas é incapaz de fazer o mesmo com os ninivitas (ver 2.10; 4.1), ou a do credor incompassivo da parábola contada por Jesus, cuja dívida foi cancelada por seu Senhor após grande súplica, sem, no entanto, ser capaz de fazer o mesmo com seu conservo (ver Mt 18.32-35).
Então, conscientemente ou não, fazemos nossos planos de punição, arrazoando conosco mesmos: Qual será a melhor maneira de punir aquela pessoa por aquilo que ela me fez?
Uma das virtudes dessa história é a de fazer com que eu me reconheça: primeiro em Jonas, o fujão, “reclamão”, impiedoso, para, quem sabe, poder me reconhecer em Deus, amoroso, misericordioso, gracioso, e que perdoa.
3. Precisamos reconhecer quem é o outro nessa história
Nínive, que já não mais existia quando essa história foi escrita; era símbolo da cidade má e opressora; lugar dos degredados, dos maliciosos, dos “sem-Deus”. Os ninivitas eram, aos olhos de Jonas, indignos do perdão divino, merecedores da condenação e morte.
Nosso sentimento em relação ao outro que nos ofende (nossos ninivitas), pode demonstrar o que desejamos de Deus: que castigue, condene, faça justiça (qual?). Nessa história, a justiça divina identifica o pecado (1.2), mas não condena Nínive. O Deus que perdoa condena o pecado, desejando libertar o pecador.
Nossa postura é inversa: não conseguimos separar; a pessoa é igual ao seu pecado. A tendência humana é reconhecer o outro pelo que ele faz. Dessarte, o que ele faz, é o que ele é. Aí entra o confronto com o olhar divino. Enquanto Jonas vê pecadores indignos e imperdoáveis, Deus vê 120 mil pessoas que não sabem distinguir o certo do errado (4.11). Então, o que as pessoas fazem pode ser apenas um lado do que elas são. Quem sabe o lado que seu eu ferido, acuado, amedrontado, cego, infeliz, abusado, permite mostrar.
Posso então me despertar para o fato de que o outro também é amado e perdoado por Deus. Que sou pecador e indigno tanto quanto ele/a; que, se a justiça implacável tivesse de ser implantada, não seria somente ao outro, mas a mim, afinal, não há justo que não peque. Que, como eu, o outro também enfrenta a difícil tarefa de perdoar; todos têm dificuldades, alguns menos, outros mais. E que o mesmo Deus faz tanto ao ofendido como ao ofensor: perdoar e nos convidar a fazer o mesmo, afinal amor, justiça e perdão em Deus não estão separados.
Considerações finais
Se perdoar é uma atividade complexa, não se cobre tanto, nem ao outro, uma resposta imediata. Dizer “eu te perdôo”, pode ser simples; já o perdão, nem sempre. Cada pessoa tem um processo. E aprender o “ofício divino” do perdão, enquanto seres humanos inacabados que somos, significa respeitar próprio processo e o do outro.
Quando você não tiver forças para liberar perdão, apenas disponha-se, e deixe Deus cuidar do processo de cura e cicatrização das feridas que ficaram, sem forçar a barra, sem perder a sinceridade e singeleza próprias do processo. Reconciliação não é uma coisa mecânica ou artificial, mas dinâmica e naturalmente-divina. A reconciliação entre seres humanos é, na verdade, um milagre. Não acontece de um dia pro outro, mas, à medida que nos dispomos a sermos agentes de reconciliação de Deus nesse mundo, pode acontecer muito antes do que imaginamos.
Não espere que o tempo volte, e nem que o outro mude para você mudar. Entrar no programa de perdão divino é uma decisão pessoal e intransferível, que não depende de circunstâncias ou pessoas, apenas de Deus e, em muitos sentidos, só de você. 
Se não podemos apagar o que passou, podemos pedir auxílio a Deus para nos ajudar a tratar do que ficou daquilo que passou, e crer que o poder de consolo do Consolador vai gerar o poder de cura e perdão em nossas vidas.
Que o Senhor nos abençoe e não permita que a gente desista de entrar no seu programa de perdão.

Notas:
1 VOLF, Miroslav. Free of charge. Giving and forgiving in a culture stripped of Grace. Grand Rapids, Michigan: Zondervan, 2005, p. 130

A Incredulidade!